1 “VERTIGEM”
Letra & Música: João Mota e Pedro Franco (Um Corpo Estranho)
Noite soberana do meu sono
Ver que era de espinhos o teu trono
Ver ruir o império ao abandono
Vertigem.
Espalha flores no chão dessa ruína
Tão próprio é deitar culpas na sina,
Na sina.
Ante o pedestal cai a virtude
E visão decresce na altitude.
Vertigem.
Queima o firmamento a altiva esfera
E a quimera ostenta asas de cera
Vertigem.
2 “SE HOUVER UMA CHAMA”
Música: João Mota e Pedro Franco (Um Corpo Estranho)
Tema Instrumental
Letra & Música: João Mota e Pedro Franco (Um Corpo Estranho)
O peito estranho ao diabo, Tudo o resto estranho a deus Haja quem cuide dos seus Que eu já tenho para onde ir. Se houver uma chama
Na tua cama
É onde quero arder
Prevejo o mundo ruir
(Não há como fugir)
Tenho a alma condenada (Tão pouco mais que nada) Meu corpo sem mortalha (O último agasalho)
Foi prometido à fornalha (é tudo o que me calha) Mas se houver uma chama Na tua cama
É onde quero arder
O paraíso é um luxo
Sob a luxúria o inferno Que rege o calor eterno
E assombra olhos de bruxo Nascer é estar condenado À fogueira do pecado
Mas se houver uma chama Na tua cama
É onde quero arder
Neguei a religião
Negaram-me a expiação
Salve quem tem de subir
Que eu tenho onde cair
E se houver uma chama
Na tua cama É onde quero arder
4 “SCARLETT”
Letra & Música: João Mota e Pedro Franco (Um Corpo Estranho)
Fica-te bem o vermelho
No teu corpo não assenta cor melhor Ver como ao espelho te ostentas
E eu prostrado em teu favor
O indiferente olhar de soslaio Põe-me doente e eu saio.
Mas fica-te bem o sarcasmo
E se eu pasmo é pelo tom da tua voz Quando ficamos a sós
E o corpo reprime um marasmo.
E tu adivinhas-me esquivo Crendo que me tens cativo.
O andar que permeia
a cobiça alheia
E eu cismo em não a seguir.
Mas fica-te bem o vermelho E tu segues o meu conselho.
E eu finjo não ser,
E em toda verdade, Refém da tua vaidade
Mas fica-te bem o vermelho E tu segues o meu conselho.
5 “BABEL”
Letra & Música: João Mota e Pedro Franco (Um Corpo Estranho)
Cede o sobreiro plangente
Ao velho cantar da serpente E enquanto ele adormece Tudo em seu torno envelhece
E por entre um véu de ilusões roubadas ao céu A sombra caiu na vereda
Turvando a razão como um deus pagão
Que de sonhos vãos se embebeda
Dançam portões com o vento
E é belo o seu movimento Como se nada impedissem Como se ao mundo se abrissem
E ecoam em nós as glórias dos nossos avós Como hinos de guerras vencidas
Histórias de cordel
Sobre os escombros de Babel
Que a miúde são repetidas.
6 “A SEIVA”
Letra & Música: João Mota e Pedro Franco (Um Corpo Estranho)
A seiva seca a seu tempo, Do tronco o legado
Na folha caída
Despida
Da cor do passado
Olhos queimados de noite, De sombra em viagem
Ao pássaro ferido,
Da queda aturdido,
O céu lhe devolve a coragem,
Em tudo o que é de mudar Em tudo o que é de virar Na força o que é de mover No fim o que é de acabar
A fúria espreita no eixo, O peito resiste.
O punho sustenta
A voz que rebenta,
O eco persiste.
Escapam-se escassos das chamas, Em rumos de mar.
O sonho crepita,
A esperança gravita,
Que o sol brilha noutro lugar,
Em tudo o que é de mudar Em tudo o que é de virar Na força o que é de mover No fim o que é de acabar.
7 “ESTRANHO À TERRA”
Letra & Música: João Mota e Pedro Franco (Um Corpo Estranho)
Todos querem
Mas nem todos são Tudo o que esperam
Todos seguem
Os outros que vão Cegos e sem direção
E há quem se estranhe neste lugar Na memória uma história
Que jaz no fundo do mar.
E é velho o rombo neste porão
Ao comando de um rato Que evade a tripulação
Todos esperam Um vento a favor Das suas velas
Todos cantam
P’ra espantar a dor
Não há remédio melhor
E corre nas veias todo esse mar E o instinto em amarras
Ávido de navegar
E há o legado de ir mais além
Já daqui nada vem
Mais que um presságio de azar
8 “VIGÍLIA”
Letra & Música: João Mota e Pedro Franco (Um Corpo Estranho)
Já não demora,
Cai a primeira neve lá fora
E o meu corpo ficou vigilante Para lá da hora
Lá onde mora
A ventura, é segredo por hora O desígnio do peito é guardar Quem vai embora
E vem a saudade furtiva Alertar à lembrança que viva Que o teu perfil fugidio
Volta sempre ao abrigo do frio
A mente tonta
E a manhã clandestina desponta A provar que do tempo que corre Não se dá conta…
De Sentinela
Ao apelo que vem da janela,
Que partiu sem aviso e eu preciso Esperar por ela
9 “A METADE”
Letra & Música: João Mota e Pedro Franco (Um Corpo Estranho)
A metade que olha nega Outra parte que está cega, A que fica está do avesso,
A que vai não tem regresso.
Há metade que diz: luta, Outra há que não refuta.
A que tem paixão aperta, Outra não tem cama certa.
Há metade que assegura, Que a outra já não tem cura. A cabeça não decide
O que o coração divide.
10 “PULSO”
Letra & Música: João Mota e Pedro Franco (Um Corpo Estranho)
Quando há vento tudo muda de lugar. Voam as folhas,
Abre-se a vela,
Move-se a mó.
Sentir no pulso que tudo mudou Sentir no pulso que o vento soprou. Sentir o pulso.
Quando há mar demais há mais razão Contra o que acorrenta o coração. Sentir o pulso.
Sentir o pulso.
Sentir o pulso,
Tambor de sangue
Sentir no pulso
Quanto da vida há para levar.
Feita de mar é a vontade que levanta Ondas que ecoam a verdade na garganta.
Letra & Música: João Mota e Pedro Franco (Um Corpo Estranho)
No fim da noite guardo-te uma história,
No fim celebro mais uma vitória.
Quando já nada houver do que falar,
Escuta o que ao fim da noite eu te posso contar.
No fim da noite onde os lobos dormem, Longe dos uivos selvagens do Homem.
No fim da noite, ao quebrar da voz
E o excesso do mundo se deixar de ouvir em nós, Para que depois eu possa emudecer,
Mas só no fim da noite podemos saber,
No fim da noite onde as aves dormem, Longe das asas quebradas do Homem.
Que o fim da noite é só mais um regresso, A esta história que agora começo.